Disciplina - Cinema

Todd Solondz: o cineasta maldito


Foto do cineasta norte-americano Todd SolondzOs que esperam as gloriosas histórias moralmente corretas e felizes que me perdoem, mas prefiro os malditos. Já no século XVII um poeta do Brasil, por não ter papas na língua, foi chamado de Boca do Inferno. Plínio Marcos, que escrevia sobre a podridão social e assuntos moralmente condenáveis, foi considerado maldito.

No cinema, se pudéssemos definir por estes parâmetros um cineasta maldito eu indicaria Todd Solondz, um cineasta norte-americano considerado independente. Diria que é um maldito que descreve a podridão da classe média americana. Seus filmes tratam de assuntos como a pedofilia, estupro, assassinato e suicídio. As relações humanas são vistas a partir de respostas patológicas de seus personagens. Irônico, considerado dono de um humor negro, os seus personagens revelam o lado alienante e pervertido, que a maioria prefere velar ou simplesmente ignorar.

Seus filmes "Happiness", de 1998, e “A Vida durante a Guerra”, de 2009, dialogam entre si, de forma que os personagens se repetem, porém com atores diferentes, sendo o segundo uma espécie de continuação do primeiro. Personagens infelizes ou dentro de uma felicidade efêmera e construída a partir de relações doentias. Nos dois filmes a trama se desenrola em torno de três irmãs: Joy Jordan, Helen e Trish. Em "Happiness", Joy busca o homem certo e um trabalho no qual se sinta útil para a sociedade. Helen é uma escritora bem-sucedida, porém insatisfeita com a vida, e Trish é uma dona de casa com uma vida banal, casada com um pedófilo, que manterá relações com o amiguinho de seu filho de onze anos.

Em “A vida durante a Guerra”, Joy se afasta do marido, mostrando-se uma mulher mais fragilizada do que em "Happiness". Vai para a casa da mãe como uma fuga da relação doentia que possui com o seu marido. Enquanto está na casa da mãe, um caso antigo a persegue, um amor que havia se suicidado em "Happiness", aparece sempre do nada, pois está somente em sua mente, testando sua fragilidade, paciência e sanidade.

Trish tenta refazer a vida, conhece um novo homem. Nesse relacionamento, Solondz coloca uma dose do seu veneno na medida em que este homem, um sujeito bem acima do peso, troca palavras adolescentes com Trish. Em um dos momentos ela pede para que ele converse com o menino, já que eles planejam se casar. O menino desabafa, o homem tenta abraçá-lo, mas o menino grita e chora, esquivando-se do abraço, pois em cenas anteriores sua mãe havia lhe dito que se algum homem o tocasse ele deveria gritar. Solondz ironiza a compreensão literal do menino.

Cartaz do filme "Bem-vindo à casa das bonecas", de Todd Solondz“Bem-Vindo à Casa das Bonecas” e “Histórias Proibidas” confirmam a tendência de seu cinema, na medida em que faz uso do humor negro para revelar as profundezas do desequilíbrio humano mostrado em seus personagens, mas que de forma alguma são colocados como sujeitos odiosos perante os nossos olhos. O filme “Bem-Vindo à Casa das Bonecas”, de 1995, mostra a infelicidade de Dawn Weiner (Heather Matarazzo), uma menina que vive em uma família de classe média nos Estados Unidos, massacrada pela escola e pela própria família. Esta família valoriza a filha caçula, que faz balé e é aparentemente perfeita, ao contrário de Dawn, que é constantemente humilhada por seus colegas e ignorada pelos pais. Aqui, Solondz nos mostra a infância vista de uma forma ácida, aquela parte que preferimos esquecer.

Em “Histórias Proibidas”, de 2011, o diretor dá continuidade à essa tendência, colocando personagens que frequentemente são tratados como “coitados” pela sociedade, como pessoas fortes, arrogantes e, por vezes, pervertidas.

Entre os malditos, as doenças sociais são tratadas sem medo, sem piedade, sem maniqueísmos. Os doentes são os sadios, são a própria humanidade vista de outro ângulo. A arte de Solondz é a arte de observar as pessoas de perto, olhando justamente onde elas menos querem ver.

Michelle Riemer
Professora de História e Diretora de Audiovisual
SEED/PR
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