Disciplina - Cinema

Buena Vista

Se a Arte é uma janela entre o Homem e Deus, a Música, especificamente, é uma porta. A película de Wim Wenders prova isso durante emocionantes 101 minutos, mediante sonoridade ímpar, depoimentos de consagrados músicos cubanos e dois shows antológicos na Holanda e EUA.

Cuba pode não ter avançado em alguns segmentos que na sociedade capitalista julgamos corretos, contudo, na esfera musical, a ilha caribenha é referência para a Word Music, pois a riqueza de arranjos, improvisos, timbres e percussão, fluem constantemente na musicalidade das composições apresentadas pelos artistas no documentário. Certamente, isso é apenas uma pequena amostra do que se produz naquele país.

Em 1996, o conceituado guitarrista norte americano Ry Coorder e seu filho Joaquim Coorder vão a Havana para a gravação de um disco com veteranos músicos cubanos que tocaram numa casa noturna chamada Buena Vista Social Club, na década de 40 e 50, famoso e importante reduto de apresentações artísticas.

O projeto foi documentado de maneira informal onde os músicos discorrem sobre a vida particular e o histórico com a música. As imagens fazem o espectador voltar num tempo em que talvez não tenha vivido, dando a noção de época e referência de um modelo econômico que afronta com resistência histórica a imposição ideológica norte americana.

A singularidade musical de cada músico está contida na formação praticamente autodidata e nas experiências da infância e da juventude, como afirmam Compay Segundo, Barbarito Torres entre outros que prestam depoimento. Wim Wenders conduz de forma magistral o roteiro numa simplicidade que deixa os músicos à vontade com o discurso e os instrumentos, talvez ai esteja o "toque de Midas" do diretor para este projeto.

Desde as gravações no estúdio até os relatos, há uma condução em forma de historietas focadas em diversos lugares onde cada integrante tem a oportunidade de mostrar um pouco do talento a Ry Coorder.

O clímax dos músicos é as apresentações com casa lotada em Amsterdã e Nova Iorque onde tocam clássicos de respectivas autorias com interpretações sentimentais ovacionadas pelo público acompanhados de Ry Coorder e Joaquim Coorder na guitarra e percussão respectivamente.

Nesta apresentação há destaques maiores para Rubén Gonzáles, que segundo Ry Coorder é um dos três maiores pianistas do mundo, Ibrahim Ferrer, o Nat King Cole cubano e o veteraníssimo Compay Segundo.

Wim Wenders e Ry Coorder conseguiram com este projeto tirar do ostracismo não somente brilhantes músicos, mas também pérolas musicais criadas há décadas que se edificaram durante os anos consolidando-se na atualidade como elementos atemporais. Este resgate legitima uma referência artística e musical para todos os amantes desses segmentos que sempre estão receptivos aos valores ora muitas vezes na contra-mão da história e não se encaixam na moda.

Vale lembrar que o filme recebeu indicação ao Oscar na categoria de melhor documentário, ganhou o prêmio de melhor documentário no European Film Awards, Associações de críticos de Nova Iorque, Los Angeles e Flórida. Além do Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor filme estrangeiro em 2000.

Buena Vista Social Club, dá uma boa noção de quantos outros grandes mestres da música estão "perdidos" ou esquecidos em algum canto qualquer do planeta, pois o imperialismo do mercado fonográfico e das rádios comerciais, está focado em produtos midiáticos descartáveis recheados de clichês temporais que visam massificar o pensamento e o consumo de forma totalitária.

Literalmente, o documentário é uma desconstrução do cenário pop musical, haja vista que a trajetória é totalmente antagônica aos padrões de descoberta e ascensão que estamos acostumados a assistir no cotidiano de forma previsível com a seguinte equação: juventude, beleza e um "pouquinho" de talento, igual a sucesso.



Rubens Martins Neto
Assessor técnico-pedagógico do Portal Dia-a-Dia Educação
Profº de Língua Portuguesa
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