Disciplina - Cinema

A juventude é o limite

Cartaz do filme "Juventude transviada"                 Cartaz do filme "Monika e o desejo"                             
Cartazes de "Juventude Transviada" e "Monika e o desejo"  
 
“Um conselho circulava pelo mundo: 'não confie em ninguém com mais de trinta anos'”. (GASPARI, 2002: 267-268). 

A influência americana sobre o mundo pôde ser vista na Grande Depressão, um período de grande recessão da economia entre 1929 e 1940, que não somente abateu todo o país, como o Canadá e os países europeus (especialmente o Reino Unido e a Alemanha). Porém, isso mudou com a entrada dos Estados Unidos nas Primeira e Segunda Grandes Guerras. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, emergiram definitivamente como uma das superpotências mundiais, juntamente com a União Soviética - desencadeando a Guerra Fria. 

Nesse clima, a década de 50 foi uma era de transformações sociais, num mundo que ainda vivia os reflexos do pós-guerra. Após o período de crescentes e anormais índices de natalidade, denominado baby boom, a sociedade norte-americana viu uma grande quantidade de jovens crescerem e, pela primeira vez, muitos adolescentes não tinham que trabalhar para ajudar suas famílias, e opções como ir para a universidade tornaram-se mais comuns. 

Além do estudo, estes jovens tinham poucas responsabilidades e, com a ajuda de custo do governo, adquiriram um poder de compra e de decisão maiores. O reflexo estava na música (o surgimento do Rock ‘n’ roll – e toda a filmografia associada a ele), na pintura (a Action Painting, de Jackson Pollock e a Pop Art, de Andy Warhol). Em busca de uma cultura alternativa, a cultura "oficial" passa a ser contestada, com o intuito de romper os valores tradicionais – nasce a Contracultura. 

Esse movimento surge como um fenômeno próprio de uma sociedade superdesenvolvida; é uma reação da sociedade de contestação diante da abundância. É a "grande rejeição". Segundo MARCUSE, uma recusa, um rompimento com o estabelecido; a repressão não tem mais lugar; o indivíduo exige uma transformação radical da sociedade industrial superrepressiva que cria necessidades artificiais, escravizando o homem na relação de produção-consumo. A sociedade industrial torna inconsciente a perda de identidade; o homem se torna alienado a ponto de não mais contestar, pois este ato é absorvido pela "ideologia única da sociedade". Quando há reinvidicações são apenas quantitativas, não promovem mudanças. Assim, a luta de classes foi substituída pelo conflito de gerações - os mais jovens é que podem fazer a contracultura - "o avesso da realidade". 

Essa geração transgrediu as leis e a moral vigentes, buscando o autoconhecimento e a realização interior - incluiu o uso de drogas, o nomadismo aventureiro, o homossexualismo assumido. O "beat" = beatitude; provavelmente tem ligação com a batida do jazz; esteve associado à música e à poesia. O "rock" foi uma busca da fusão do som e a palavra num movimento negro de contestação. Elvis Presley foi o elemento branco que incorporou o movimento. 

É nessa efervescência social e cultural que Nicholas Ray lança “Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause), em 1955. Jim Stark (James Dean) é um garoto-problema que arranja confusão por onde passa, fazendo com que sua família mude de cidade várias vezes na esperança de que o filho tome juízo e encontre seu lugar na sociedade. A partir de uma insatisfação juvenil aparentemente inexplicável, surge um conflito de gerações, a chamada Generation gap (Diferença entre gerações) que salta aos olhos de forma contundente: a total ausência de afinidade entre pais e filhos, a deterioração da relação familiar anuncia a vinda de uma nova geração, com novos valores e interesses. 

Quando Jim é desafiado pelo valentão do novo colégio para um duelo de carros num precipício, que acaba em tragédia, se aproxima de Judy (Nathalie Wood) e de seu amigo fiel e solitário Platão (Sal Mineo), instituindo outra “família”, justamente pelo fato de compartilharem da mesma onda que parece tomar conta da mocidade daqueles anos 50: a solidão advinda do rompimento com um mundo que não lhes correspondia mais. 

Em “Juventude Transviada” houve a transposição para as telas da falência de várias instituições sociais aparentemente caducas e desconexas com os novos tempos. Em cada cena, uma a uma essas instituições são colocadas em xeque: conceitos como polícia, família, escola, ética, honra parecem, pelas lentes do diretor, dignos de riso. Muitos são os momentos em que essa descrença, mesclada à fina ironia, é notada: Jim bêbado, uivando e zombando das autoridades na delegacia, no início do filme; seu pai, ajoelhado na sua frente, limpando as sujeiras domésticas, amedrontado com a masculinidade da esposa; um inspetor de colégio indignado com o fato de um aluno estar pisando no brasão da escola; um protagonista que, após ter sido confrontado numa luta de canivetes, é intimado a comprovar sua ‘hombridade’ num racha de carros. Como poderá haver ordem em um mundo risível como esse? 

No filme, cada plano conta com uma cuidadosa arquitetura. Suas cores vívidas podem representar o ímpeto e a vivacidade juvenis. O vermelho, cor sugestiva comumente empregada pelo diretor, veste o protagonista, portador de inquietude febril e o ritmo intenso das cenas, desde a debochada espera na antessala do delegado, até a corrida para salvar Platão, no final, dificultam nossa respiração, e aguardamos pelos próximos passos dos “rebeldes”. Em rara oportunidade, na história do cinema, os dilemas juvenis, a insegurança, a insatisfação e a agressividade não são tratados de forma rasa, buscando a identificação fácil, estereotipada. Parece que o diretor consegue conferir dignidade à adolescência. 

Com a imagem de James Dean, seu apelo icônico e sua forte presença, Nicholas Ray forneceu ao mundo o arquétipo definitivo do herói pop. Pense nos maiores ídolos adolescentes, daqueles tempos e de hoje em dia: Elvis Presley, John Lennon, Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin... passando por Kurt Cobain, Amy Winehouse e Pete Doherty. Traços da composição do personagem de Jim Stark/James Dean estão presentes em cada um deles: rebeldia, inconformismo, inadequação, vida meteórica e autodestruição. E os limites entre a ficção de “Juventude Transviada” e uma verdadeira história social parecem cada vez mais tênues. (Fonte: http://blog.estadao.com.br/blog/merten/?title=30_anos_ja&more=1&c=1&tb=1&pb=1). 

Nesta mesma linha de pensamento, de uma geração pós-guerra, que tinha outras concepções a respeito do mundo, bem como o objetivo de colocar tudo em xeque, inviabilizar a sociedade, destruindo instituições já falidas, mas vistas pela sociedade hipócrita como “fundamentais” (família, tabus sexuais, etc), Ingmar Bergman traz, em 1953, o polêmico filme, “ Monika e o desejo”, ponto-chave para iniciar o movimento jovem (é anterior à “Juventude Transviada”). Polêmico, porque Bergman sentiu a força da tesoura da censura na Suécia. Foram cortadas três cenas, numa o casal está bêbado (parcialmente cortada), noutras duas eles brigam. Numa dessas, a briga de bêbados acaba em uma cena de amor orgíaca. Nada mal para celebrar a tão aspirada liberdade! 

Harry é um jovem de 19 anos, estudioso e responsável, que trabalha em uma fábrica de louças. Conhece Monika, moça fagueira, sorridente, que é funcionária de uma quitanda. Quando ela é maltratada pelo pai, alcoólatra, e sai de casa, buscando a ajuda de Harry, ambos decidem largar seus empregos e famílias e curtir o verão nas ilhas próximas a Estocolmo, vivendo “de amor” em um barco. Percebemos um casal de jovens em busca de liberdade amorosa e sexual, mas muito mais de uma saída para o conformismo de uma sociedade sufocante e, aos seus olhos, arbitrária. Que futuro poderiam esperar? Era preciso aproveitar o tempo que lhes restava, sendo felizes, longe do ruído da cidade, repleta de miséria e degradação. 

Com esse propósito, somos levados, junto com a câmera, para longe da capital, como se estivéssemos dentro do barco de Harry e Monika, passando por debaixo de pontes, com uma natureza exuberante à nossa volta e o vento fresco do verão batendo em nosso rosto. Distanciamo-nos cada vez mais da balbúrdia da cidade e, a cada metro percorrido, mais é possível sentir a felicidade, essa sensação de estar liberto das amarras das convenções sociais: estamos indo rumo ao paraíso. Esse era o ideal de vida do jovem dos anos 50: se libertar das amarras sociais, estabelecer uma nova sociedade, em outras bases, na qual vislumbrassem perspectivas de futuro. 

As cenas de nudez de Monika também remetem à postura que eles tinham agora: nada pode impedi-los de serem felizes da maneira como escolheram, 

Apenas dois planos do filme mostram a nudez de Mônica, mas eles são capazes de cristalizar o filme inteiro em alguns segundos. Sua volta no final mostra que eles são centrais. Mônica e o Desejo não tem sombras, a nudez está às claras. O que não quer dizer que está explícita. A força de Bergman está em colocar o espectador em posição de ver uma jovem mulher ter prazer com a própria nudez, mas sem a exibir. (Fonte: http://cinemaeuropeu.blogspot.com/search?updated-min=2009-01-01T00%3A00%3A00-02%3A00&updated-max=2010-01-01T00%3A00%3A00-02%3A00&max-results=18

Quando Mônica fica nua pela primeira vez na presença de Harry, ela é vista a partir de dois olhares: o do namorado e o da câmera (que é o do espectador). Em primeiro plano, Mônica surge da parte debaixo do quadro, cruza a paisagem e começa a tirar seu pulôver, revelando sua axila não depilada, os grandes seios escondidos no sutiã e a calcinha. Agora um close em Harry, que a segue com os olhos, sugere que ela passa sobre ele de maneira nada recatada, para ir se banhar, inteiramente nua, numa poça, próxima ao mar. E nós a vemos de costas quando Harry se aproxima para acariciá-la nos ombros. Quando Bergman passa ao contracampo, os seios de Mônica são cuidadosamente afastados dos nossos olhos.

Entretanto, como o paraíso ainda não foi descoberto, o idílio do jovem casal termina quando começam a falta de alimento e dinheiro e, para completar, Monika descobre que está grávida, não afastando dos olhos do espectador o outro lado da liberdade sexual: a gravidez indesejada. Quando voltam, tentam se integrar numa espécie de vida burguesa, mas tudo acaba numa catástrofe: ele, aparentemente, está preparado para assumir a nova responsabilidade, mas Monika não suporta a nova ocupação: ser mãe, se doar a alguém, se esquecer de si mesma... para ela, chegara o momento de crescer, de deixar o mundo adolescente para entrar, repentinamente e contra a sua vontade, na idade adulta. Perceber que crescer dói, amar dói, viver dói.

Esse momento, fundamental, também acontece para Harry, de forma não menos dura: Harry está diante da filha que teve com Monika, no hospital, e a expressão de seu rosto, num close, desmente todo e qualquer preparo que dizia ter para a situação: está apavorado. Outro momento em que perde o chão, é quando, chegando de uma viagem de trabalho, flagra Monika, na cama, com outro homem. Chegara a sua vez de ser sendo lançado para dentro do mundo real.

Monika, por sua vez, numa das cenas mais bonitas do cinema, está sentada em um bar, na companhia de um homem, enquanto Harry está fora da cidade. É visível seu ar de tédio e cansaço. De repente, a câmera se aproxima dela e, num close, ela nos encara por vários segundos, sem piscar.

Certamente, não é o primeiro close de rosto do cinema no qual um personagem encara o espectador, mas só Bergman compreende que esse olhar é capaz de transformar um rosto numa máscara, impedindo-o de exprimir sentimentos. Não conseguimos decidir se aquele olhar traduz a perda da esperança ou se Mônika está perguntando: “você pensa que sabe o que eu estou pensando?” Esse olhar atravessa a película, a lente, a tela, a consciência. Sua decisão fora tomada: era preciso viver!



Referências bibliográficas

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 3ª edição, 1969.

Referências da Web 

MERTEN, Luis Carlos. 30 anos, já! Disponível em: http://blog.estadao.com.br/blog/merten/?title=30_anos_ja&more=1&c=1&tb=1&pb=1). Acessado em 01 jul 2009.
OLIVEIRA, Roberto Acioli de. Cinema Europeu. Disponível em: http://cinemaeuropeu.blogspot.com/search?updated-min=2009-01-01T00%3A00%3A00-02%3A00&updated-max=2010-01-01T00%3A00%3A00-02%3A00&max-results=18. Acessado em 01 jul2009.

Referências cinematográficas

RAY, Nicholas. Juventude Transviada. Drama, EUA, 1955, 110min.; Warner Home Vídeo.

BERGMAN, Ingmar. Monika e o desejo. Drama, Suécia, 1953, 92min.; Versátil Home Vídeo.



Marcia Regina Galvan Campos                      
Assessora técnico-pegagógica do Portal Dia-a-Dia Educação 

Profª de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira          


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