Disciplina - Cinema

Aldemara Pereira de Melo

Imagem da professora Aldemara Pereira de Mello, coordenadora da TV  Paulo Freire
Aldemara Pereira de Melo é coordenadora da TV Paulo Freire, do Governo do Estado do Paraná. Também é professora de Língua Portuguesa, com muitos anos de experiência em sala de aula.
Trabalhou no Colégio Estadual Paulo Leminski onde desenvolveu um Projeto de Cinema pioneiro, oportunizando a professores e alunos o acesso a bons filmes, de fora do circuito comercial, bem como o conhecimento de outras linguagens que podem ser usadas, pelos educadores, na transmissão dos conteúdos sistematizados.

1) Você desenvolveu um projeto de muito êxito, envolvendo cinema e educação, no Colégio Estadual Paulo Leminski. Como surgiu essa ideia? Como se deu a implementação do projeto?

R: A ideia inicial foi de uma experiência anterior que eu havia experimentado nas minhas aulas de Literatura, em especial com as turmas da noite, pois eles reclamavam para ler obras literárias. Dessa maneira, eu comecei a trabalhar algumas produções do cinema brasileiro a partir de obras literárias e percebi que houve maior interesse, um leve despertar para o cinema, ainda, que, por pura falta de conhecimento, ouvi muitas vezes que o cinema nacional não era bom ou, no outro extremo, que esse cinema seguia uma linha de filmes pornográficos.

Então, a partir dessa situação, escolhi algumas boas produções brasileiras e fiz um link com a Literatura, que era uma das dificuldades deles. Essa foi uma experiência pessoal, solitária, mas que teve um resultado muito bacana. A certa altura consegui até trabalhar com Clarice Lispector, que é muito intimista, levei a “Hora da Estrela” e depois de assistirem ao filme surgiram muitas questões, o que achei excelente.

Depois de, mais ou menos, dois anos, eu estava trabalhando no turno da manhã, com o Ensino Médio e Profissionalizante, e fiz uma provocação. Conversando com um amigo, Alexandre Camelo, que é apaixonado por cinema nacional, contei da minha experiência anterior e o convidei a me ajudar a escrever um projeto para a direção da escola sobre o tema. Escrevemos o objetivo do projeto que era oportunizar aos alunos e professores assistirem a filmes de fora do mercado comercial, em especial a produção nacional e latino-americana e, claro, alguma ressalva para o cinema americano, com cuidado, e para o cinema europeu.

Enfim, escrevemos um projeto e nele amarramos a necessidade de vinculá-lo ao Projeto Político Pedagógico da escola, para que pudéssemos ter êxito. Apresentamos a proposta pra direção da escola e prontamente eles nos abriram as portas. Chamaram os professores e disseram que a partir do próximo semestre começaríamos a implementá-lo.

Pedimos, no projeto, que seriam usados sempre os três primeiros horários, e os professores precisariam entender a importância de seguir o horário estipulado, pois seria muito difícil passar um filme em menos de três aulas, porque uma obra cinematográfica tem, em média, 2 horas, o que sobraria um tempo mínimo para discussão.

O objetivo maior não era nem estabelecer uma grande discussão, mas oportunizar aos alunos assistirem a filmes e, se houvesse tempo, sentir o que eles perceberam, sentiram. Se houvesse tempo aprofundar um pouco mais, a partir do que o filme provocava ou outros elementos presentes na produção.

A grande surpresa foi que, apesar de ser uma escola próxima ao centro, a maioria dos alunos não freqüentava cinema. Compramos um retroprojetor, o que possibilitou que tivéssemos um telão numa sala-ambiente, exclusivamente para as sessões.

Quando pensamos no projeto, tínhamos em mente duas coisas para que este realmente obtivesse êxito: primeiro, amarrá-lo ao Projeto Político Pedagógico da escola e termos uma sala de cinema, não de vídeo. Outro ponto importante, e que não havíamos pensado, é que eu fui liberada, 20 horas, somente pra desenvolver e implantar o projeto, o que possibilitou que tudo acontecesse da melhor maneira possível.

2) Como eram preparadas as aulas pelos professores? Houve uma adesão significativa?

R: Essa é uma pergunta complicada. Na realidade, aos poucos houve adesão, pois quando a direção resolveu colocar esse projeto em prática, não realizou uma consulta geral aos professores. Foi anunciado e incorporado ao dia-a-dia da escola e dos educadores. O projeto é bom, e foi muito interessante perceber o olhar dos alunos para uma arte que poderia acrescentar ao conhecimento deles, bem como dar subsídios ao professor para linkar as temáticas dos filmes aos conteúdos escolares da sua área ou a outras áreas ainda.

Dessa maneira, a direção encampou o projeto e anunciou que a escola, a partir daquela data, teria um projeto de cinema e, aos poucos, os professores foram se organizando para isso.

Os educadores ficavam junto com os alunos, assistindo ao filme, porém existiam professores que não tinham a oportunidade ou o hábito de verem esse tipo de filme e se interessavam, mas não podiam terminar de vê-lo, pois tinham de voltar para a sala de aula, o que foi uma pena. Assim, muitos começaram a procurar pelos filmes, pois queriam vê-los até o final e até trabalhar em sala de aula. O que pude verificar foi que muitos professores despertaram para a noção de que o filme seria mais um instrumento para ser trabalhado em sala, linkando os seus conteúdos. Tivemos muito mais resultados positivos do que negativos com relação aos professores.

3) Como o trabalho foi desenvolvido: a partir de trechos ou da película na íntegra? Pensando nisso, qual é a sua opinião sobre trabalhar trechos ou filmes inteiros em sala de aula? De que forma o professor pode obter melhores resultados?

R: Eu acho que existem dois caminhos. É claro que trabalhar o filme na íntegra é muito melhor, pois você tem a possibilidade não só de linkar os conteúdos à sua disciplina, mas trabalhar com alguns elementos estéticos. É uma questão de sensibilidade, de despertar o interesse e não ficar preso somente aos conteúdos. Imagem da professora Aldemara Pereira de Melo, coordenadora da TV Paulo Freire

Quanto a trabalhar fragmentos acredito ser um pouco complicado, pois o professor deve preparar muito bem a abordagem, ou seja, preparar, mostrar, trazer para a discussão geral e, principalmente, contextualizar os links que fizer. Depois trazer para que o aluno visualize o que foi discutido.

O ideal é que o filme seja assistido na íntegra, mas eu não sou contrária ao trabalho com os fragmentos, desde que tenham um objetivo claro, que pode ser provocar, despertar uma discussão a partir de um determinado conteúdo ou outros.

Quanto aos melhores resultados, acredito que é com a película na íntegra, porém eu entendo que, na escola, as dificuldades são muito grandes por conta do tempo. Outro problema é o cuidado com o que se está mostrando aos alunos, ou melhor, que filmes trazem e cumprem, verdadeiramente, essa função. Por isso considero tão importante um projeto como esse estar vinculado ao Projeto Político Pedagógico da escola. Acredito que qualquer trabalho ou projeto que se desenvolva no ambiente escolar deva ser checado pela diretoria.

Esse projeto de cinema se desenrolou por um ano e eu, nem a escola, tivemos qualquer tipo de reclamação do gênero: o colégio está “matando” aula. Isso se deu, talvez, pelo fato de ter sido pensado e desenvolvido dentro de um planejamento, sendo explicado, a todas as turmas, nos mínimos detalhes, o que era e qual o objetivo do Projeto de Cinema naquela escola.

Voltando ao trabalho com filmes, se o professor optar por utilizar trechos deve ser bastante cuidadoso para despertar no aluno o interesse de assisti-lo na íntegra, fazendo relações com o seu cotidiano, pois as leituras são infinitas e a leitura feita pelo professor não pode nem deve ser única e fechada.

4) Em sua opinião, por que os professores, de um modo geral, ainda apresentar resistência em trabalhar com o audiovisual?

R: Existem duas questões: a resistência passa pelo desconhecimento e pelo receio de dizer que não sabe, de procurar a ajuda de uma pessoa que possa orientá-lo, pelo medo da exposição. A categoria magistério é bastante complicada nesse sentido, pois existe, ainda, pouca troca, inclusive na organização do seu planejamento.

Há muita fragilidade, que é difícil de vir à tona. As pessoas não gostam de se expor e o uso de qualquer mídia passa um pouco por aí, ou seja, os professores têm vontade de usar, mas não sabem como fazê-lo e têm receio de buscar ajuda. Porém, no momento que se tornam mais receptivos e descobrem as possibilidades, percebem o quanto é interessante trabalhar com essas ferramentas.

Acredito, também, que a resistência é muito menor que o desejo de trabalhar com as mídias. Alguns ainda estão muito presos à didática, que é própria da sala de aula. Não estou desconsiderando essa forma de passar o conteúdo sistematizado, mas ainda é usado muito o quadro-negro, o livro, a oralidade. Eu diria que podem complementar o seu trabalho com a utilização de outras mídias.

Nesse governo, as oportunidades estão sendo dadas. Abriu-se um leque muito grande: TV, web, TV Multimídia. Temos, em contrapartida, que dar o suporte para o professor saber utilizá-las, pensar de que maneira podemos orientar esse uso, de que forma podemos ensinar a utilizar a máquina, com determinado tipo de mídia, como selecionar filmes, vídeos, fotografias.

Acredito que a formação acadêmica está muito distante de outros recursos que não seja o livro. Não que o livro não seja importante, mas é necessário abrir espaço na academia para outras leituras possíveis. Prática que é devolvida à sala de aula. Por isso, em minha opinião, o profissional não tem culpa, pois na sua formação há essa fragilidade. A academia deveria rever essa atitude, provocar mais, mostrando outras linguagens possíveis.

5) Depois de desenvolver um projeto que rendeu excelentes resultados, o que você diria aos professores que querem trabalhar com a tecnologia, como mais um modo de passar os seus conteúdos, mas não sabem por onde começar ou como fazê-lo?

R: Eu diria que devem começar usando. Deveriam partir do princípio de que a tecnologia está aí, que não podem mais virar as costas e dizer “não vou usar, não quero conhecer”. Num mundo como o nosso, em que as mídias estão integradas, a escola não pode mais fazer “vista grossa” aos acontecimentos.

Acho que o professor pensa muito, ainda, na substituição do seu saber pela TV, pela Internet, pelo computador. Na verdade, são somente ferramentas possíveis de se trabalhar dentro de uma determinada linguagem, temas, conteúdos, que possibilitam discutir questões importantes da nossa realidade e que pode ser um instrumento, deve ser um instrumento.

No caso especial dos projetos desenvolvidos por esse governo, percebemos essa abertura, que coloca efetivamente, na sala de aula, seja a TV Multimídia, a TV Paulo Freire ou o Portal Dia-a-Dia Educação, e o professor deve ter em mente que ele é o mediador entre o saber e o aluno, função que dificilmente lhe será tirada.

Então, deve se arriscar, conhecer, incorporar. A Secretaria entra com o suporte para auxiliá-lo a como fazer, como usar, a dar o primeiro passo, a saber escolher e efetivar essa descoberta na sua prática.


6) No momento, você coordena a TV Paulo Freire, um canal idealizado para o educador. O Governo do Estado colocou, ainda, à disposição do magistério, a TV Multimídia, que contém centenas de materiais educacionais, separados por disciplina, especialmente pesquisados para o professor. Como essas mídias podem auxiliar o professor a melhorar e a dinamizar as suas aulas, na prática?

R: Bom, primeiro, efetivamente, ele tem que conhecer essas mídias, os conteúdos, aquilo que está sendo disponibilizado para ele, para sua formação, na sua disciplina.

A partir disso, é muito importante saber selecionar esses conteúdos para o seu trabalho. Acredito que o mais importante é estar receptivo a outras possibilidades de linguagens que não somente a escrita, o que é muito enriquecedor, pois pode haver uma troca entre professor e aluno, pois o aluno caminha muito mais rápido no uso da tecnologia e o professor fica um pouco aquém. Acredito que esse descompasso também cria certo incômodo, denotando insegurança quanto ao processo acelerado da tecnologia.

É necessário, ainda, tomar consciência de que todo esse material disponibilizado para o magistério é apenas mais um instrumento de enriquecimento para o trabalho, talvez esse entendimento torne o professor menos angustiado.

Quanto à TV Paulo Freire, somente recentemente foram resolvidos todos os problemas de estrutura para que o professor tenha acesso aos programas produzidos especialmente para ele. Como a organização da escola é bastante peculiar e diferenciada para as diversas disciplinas, repetimos os programas à tarde e à noite. Acho que com a hora-atividade concentrada, por disciplina, a escola terá mais tranquilidade para se organizar e conhecer a programação da TV Paulo Freire. Foto da equipe da TV Paulo Freire no ano de 2008

Nosso desafio neste próximo ano é estreitar contatos com as equipes pedagógicas regionais, com o intuito de discutir a programação da TV, porque acreditamos que é a partir da disseminação do conhecimento a respeito da TV, pela equipe pedagógica, que a escola terá condições de conhecer mais essa mídia, fazendo uso de mais essa ferramenta pedagógica.

Por: Márcia Regina Galvan Campos em No/2009.
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