Disciplina - Cinema

Alejandro Saderman

Imagem do cineasta argentino Alejandro SadermanAlejandro Saderman nasceu em Buenos Aires. É cineasta e produtor. Interrompeu os estudos de Arquitetura e iniciou sua carreira como diretor de curtas-metragens com os quais ganhou diversos prêmios nacionais. “Golpes a mi puerta”, de 1993, foi o seu primeiro longa-metragem, participante em Berlim e Montreal. Realizou, também, os filmes “Cem años de perdón”, em 1998, e “El último bandoneón”, em 2005. Este recebeu os prêmios de Melhor Edição, Melhor Música e Melhor Filme no 2º Festival do Paraná de Cinema Brasileiro Latino.


1)Entre a produção de “Cen años de perdón”, de 1998, e “El último bandoneón”, de 2005, se passaram 7 anos. Na sua opinião, o realizador necessita ter respeitado e respeitar o “seu” tempo para desenvolver uma obra que possa ser vista, compreendida e admirada pelo espectador? Com você, como o tempo de criação acontece?

R: O tempo, entre um filme e outro, lamentavelmente, não é produto das necessidades criativas do realizador. Na América Latina, em geral, a produção de um projeto cinematográfico é muito complicada. O cinema, como sabemos, é uma atividade que possui uma linguagem cara, o que torna a produção de um filme algo bastante difícil. Dessa maneira, eu diria que o maior tempo que se necessita, entre uma produção e outra, é para conseguir organizar o projeto do ponto de vista econômico, ou melhor, conseguir um financiamento/patrocinador. Geralmente, nos países da América Latina, o financiamento de projetos cinematográficos provêem de organismos do Estado. Existe muito pouco capital privado revertido para material cinematográfico.

Como essa é uma situação pela qual passam quase todos os realizadores cinematográficos, a competência de um diretor conta muito, pois a quantidade de dinheiro que há para ser usado em cada país é limitada, não há verba para todos os projetos. Na Argentina, por exemplo, acontece uma coisa muito particular. Neste momento, há 14.000 estudantes de cinema. Em toda União Européia não existem 14.000 estudantes de cinema. Então, fazendo uma conta muito simples, a cada ano são 300 ou 400 novos diretores de cinema, roteiristas, fotógrafos, etc., e todos buscam financiamento para seus projetos pessoais e, evidentemente, não existe dinheiro para todos, sem falar que os mercados de exibição também são limitados. O Brasil é um país privilegiado, pois tem uma grande população, então o mercado é muito maior.

Na Argentina estão sendo produzidos, mais o menos, 80 filmes de longa-metragem por ano, os quais não possuem mercado. É necessário falar, ainda, que a maioria dos filmes produzidos não dão “lucros”, o que também contribui para que não haja produção solitária. Precisamos buscar co-produções para que tenhamos algum retorno.

Em resumo, o tempo entre um filme e outro é menos pela atividade criativa que pela necessidade de encontrar financiamento para realizá-lo.

2) Você iniciou sua carreira fazendo curtas-metragens, com os quais ganhou inúmeros prêmios nacionais. Com a realização de longas, principalmente “El último bandoneón”, de 2005, foi indicado e ganhou outros mais, em muitos festivais. Como diretor, qual a importância dos festivais para uma produção cinematográfica?

R: Os festivais servem como janela de apresentação para os projetos. Entretanto, não podem, por si só, decidir o futuro de um filme, pois apenas alguns festivais, atualmente, realmente são importantes, como Cannes, Berlim, Veneza, San Sebastian, Tóquio, Toronto, no Canadá.

É evidente, até pela quantidade de produções, que todo filme aspira por ganhar prêmios em festivais. Porém, somente o fato de um filme ser selecionado para um festival já lhe dá um selo de qualidade.

Na verdade, todos buscam a participação de seu filme em festivais, porque serve como um lançamento, uma estréia comercial, pois a publicidade é decisiva para uma produção e nós, produtores independentes, não temos dinheiro para fazer uma grande publicidade, como Hollywood, somente para a produção do filme. Assim, os festivais e os prêmios que esse filme ganhe servem para gerar prestígio e interesse nas pessoas. Um filme cumpre seu propósito quando encerra um ciclo. É pensado e realizado para que o público o veja, então, quanto mais gente assistir, mais estará desempenhando seu papel fundamental.

3) Em “El último bandoneón” você monta um painel social e cultural da música e a sua relação com a sociedade argentina, combina música e conteúdo humano, pois apresenta os músicos como extremamente importantes para a História do tango. Por que a necessidade de realizar um documentário, com aspectos mais humanizados, sobre a história do tango argentino?

R: Eu vivi muitos anos fora de meu país (a Argentina), creio que a metade de minha vida. Comecei fazendo curtas-metragens e tive a possibilidade de trabalhar na Europa, na TV italiana. Depois, voltando para a América Latina, morei em Cuba, fazendo documentários.

Cena do filme "Él último bandoneón", de Alejandro SadermanRegressei à Argentina e continuei a fazer documentários. Entretanto, é muito difícil viver de fazer cinema na Argentina, como em outros países, então fiz trabalhos para a área publicitária. Desenvolvi esse trabalho até o Golpe Militar de 76, quando tive que sair do país, pois era professor de Realização Cinematográfica na Escola de Cinema da Universidade de la Plata e o fato de ter trabalhado muitos anos em Cuba se converteu em um fato que não era bem-visto pelo regime militar que estava se instalando no país.

Nesse período, e preocupado com minha integridade física, fui para a Venezuela, onde vivi muito tempo, e realizei o meu primeiro longa-metragem, “Golpes a mi puerta”, filme que ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais, também representou a Venezuela no Oscar, nos EUA. Produzi, ainda, “Cien años de perdón”.

Dessa maneira, e por estar fora de meu país por tanto tempo, fazer um filme sobre o tango era, para mim, uma maneira de me reencontrar com meu país, com as minhas raízes. A primeira idéia de fazer um filme com esse tema aconteceu em uma de minhas visitas à Argentina, quando soube, por meio de um bandoneonista jovem, que havia muitos anos o bandoneón deixou de ser fabricado, na verdade, desde 1937/38, início da Segunda Guerra Mundial, principalmente o Double A (Alfred Arnold), que era um dos modelos fabricados, porém existem muitos outros. O Double A se tornou mais conhecido e difícil de ser encontrado por causa da mistificação que teve pelo tango de Piazzola. Me interessei pelo fato de que um bandoneonista jovem precisa encontrar esse instrumento, não pode ir a uma loja e simplesmente comprar, como os outros instrumentos musicais.

Essa idéia e o fato de Rodolfo Mederos (maestro e amigo particular, de muito tempo) estar procurando jovens talentos para montar uma orquestra típica de tango (composta por 14 músicos), que há muitos anos, desde os anos 50, não existia mais na Argentina, me fizeram colocar em prática a vontade de falar sobre esse assunto. Mederos, depois de passar por outros ritmos do tango, resolveu que gostaria de voltar ao tango clássico, fazer um resgate desse ritmo clássico, um pouco esquecido no país, mas com uma geração de músicos jovens, os quais voltaram a se interessar pelo tango, a partir de um espetáculo chamado “Tango argentino”, de 1982, que fez muito sucesso nos EUA e Europa.

Na pesquisa para o filme, descobrimos que atualmente as mulheres jovens também estão interessadas em tocar bandoneón, pois em toda a história do tango só houve uma única mulher bandoneonista, porque o instrumento era considerado mais masculino, por causa da força que era necessário imprimir para tocá-lo. Marina foi uma das 15 meninas que entrevistamos e que nos conquistou por sua história pessoal, porém não é atriz e sim bandoneonista.

A partir da fusão de todas essas informações e desejos construímos a trama do filme. Mas, era importante, ainda, saber de onde vinha a história do tango, mostrar uma referência ao espectador. Assim, encontramos alguns músicos veteranos, que se encontravam aos sábados para tocar o bandonéon e as músicas de sua época, como forma de continuar vivo esse amor pelo tango clássico, e os colocamos no filme.

4) Atualmente, tomamos contato com um novo gênero de tango: o tango eletrônico, ou tecnotango, ou tango fusion. Inclusive, a música “Pa bailar con Julieta”, do grupo Bajofondo Tango Club, faz muito sucesso no Brasil, como tema de abertura da novela “A Favorita”, da Rede Globo de Televisão. Será que podemos esperar a explosão de um novo ritmo, como ocorreu com o tango-jazz-música erudita de Piazzolla?

R: Neste momento, o tango apresenta duas correntes: de um lado está o grupo que quer conservar o tango original, como na época de Gardel, e do outro existem aqueles que, pela atividade criativa, querem encontrar outros caminhos, outros ritmos.

Porém, os novos ritmos de tango não servem para dançar. Foi o que aconteceu com a música de Piazolla. Ele era um gênio musical, mas fez uma música que deixou de ser popular, pelo menos na Argentina, porque fez um tango para escutar, não para dançar. Dessa maneira, creio que esses novos ritmos de tango são, independentemente se para dançar ou para escutar, muito interessantes, são caminhos que foram abertos, que estão sendo explorados, porém não se sabe se chegará a ser uma explosão. São ritmos que servem para a abertura de novelas francesas, americanas, assim como aqui no Brasil, porém, na Argentina, onde as pessoas querem dançar o tango, essa forma do gênero é um pouco rechaçada.

Se fizer sucesso fora do país pode ser bem-recebido pelos argentinos e se tornar uma febre, como quando o tango nasceu. Era uma música de bairros, de prostíbulos, que a sociedade não reconhecia. Então, o ritmo foi a Paris e fez muito sucesso. Quando voltou, foi reconhecido e se converteu na música argentina por excelência.

5) O que se tem percebido, ultimamente, nos filmes latinos, é uma frenética busca pela identidade de um cinema próprio da América Latina. Como exemplo podemos citar nomes como Fernando Solanas e Jorge Sanjinés. Essa percepção procede? Há realmente a necessidade de se encontrar uma estética estritamente latina?

R: O que mais define a estética latina é sua proximidade com a realidade e, quando falamos de Solanas ou Sanjinés, estamos falando dos anos 60, quer dizer, a diferença entre o nosso cinema com o de Hollywood, por exemplo, é que fazemos cinema a partir da realidade que vivemos aqui. Acredito que não há a busca por uma identidade, mas é algo que surge organicamente.

Os filmes latinos mais importantes, mais interessantes, são aqueles que mostram a proximidade com a realidade, são os que se tornam universais, o que faz a natureza do nosso cinema. A estética latino-americana surge do processo criador.

6) Gostaríamos de saber um pouco sobre seu projeto atual, em andamento.

R: Meu projeto atual é uma ficção, porém baseada em personagens reais. Nasce de uma realidade muito particular, que me veio, no ano passado, quando li algumas notícias, de caráter policial, nos jornais.

Imagem do diretor argentino Alejandro SadermanExiste, na Argentina, uma província denominada Santa Fé, que é muito rica, e onde o tráfico de drogas se converteu em um tema muito importante, pois resulta na corrupção de muitos poderes, como o policial e o político.

Dessa maneira, como não encontram respostas nem na polícia, nem na sociedade, as mães desses jovens dependentes resolveram juntar provas para ir à justiça e denunciar os mandantes do tráfico. São elas que estão fazendo uma guerra contra esse problema, não as autoridades devidamente credenciadas para isso, o que torna o fato bastante interessante e particular.

Nesse momento, terminei a etapa de investigação, pesquisa. Realizei entrevistas com várias dessas personagens. É um filme policial, e meus protagonistas são femininos. É um filme concreto e humano, na verdade uma denúncia, e espero começar a filmá-lo na metade do ano que vem, bem como trazê-lo para o Festival de Curitiba em 2010.

7) Como professor, como você vê a utilização do cinema, e do audiovisual como um todo, como ferramentas pedagógicas nas escolas de Ensino Fundamental e Ensino Médio?

R: O audiovisual se converteu na linguagem mais utilizada e difundida da atualidade, e continuará a ser no futuro, e ainda por muito tempo. A presença massiva do audiovisual na TV e na Internet, por exemplo, obriga-nos a dominar essa linguagem, como no passado era necessário conhecer a gramática da língua escrita.

Portanto, mais que a aprendizagem de uma linguagem artística, se trata de um aprendizado imprescindível para desenvolver qualquer atividade artística no mundo contemporâneo e para o futuro. É quase uma questão de sobrevivência.

Por: Márcia Regina Galvan Campos em Out/2008.
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