Disciplina - Cinema

Paulo Renato

Foto do professor de HIstória Paulo Renato Dias, que atua no Colégio Estadual Ottília Homero da SilvaPaulo Renato Dias é professor de Filosofia e História do Colégio Estadual Ottília Homero da Silva, de Pinhais-PR.
Juntamente com Júlio Vann, professor e ator, de Minas Gerais, e o Grupo Camélia, grupo de alunos, do colégio Ottília, que se reúne para pensar e fazer arte, produziram o documentário "Ottília: múltiplos olhares", a partir de um orçamento mínimo, e que teve sua estréia no mês de junho/08.
O Ottília Homero da Silva é o primeiro do Paraná a documentar a história de sua escola em DVD.


1) Quando de nossa visita ao Colégio, na estréia do documentário que vocês produziram, percebemos que este espaço tem algumas características muito particulares. Você, como professor de Filosofia e participante do projeto do documentário “Ottília: múltiplos olhares”, poderia nos contar, de modo sucinto, quais são esses pontos que fazem da Colégio Ottília Homero da Silva uma escola especial?

R) O núcleo de documentação, em 2006, me chamou para exercer minhas atividades de professor no Colégio Estadual Ottília Homero da Silva, no Jardim Amélia, em Pinhais. Não havia lecionado em nenhuma outra escola do Estado. Carregava comigo certo receio se iria ou não me adaptar. Ao chegar ao Colégio percebi um ambiente muito agradável. Após a entrega da documentação à pedagoga, Professora Julita, fui apresentado aos professores que lá estavam. A acolhida foi muito receptiva, todos me deram boas vindas. Como iria ficar para ministrar as aulas no período da tarde já fiquei por lá mesmo. Alguns professores foram pra outras escolas e alguns ficaram para o período da tarde. Foi quando conhecia a Professora Alcina, de Geografia, que comigo foi até o mercado comprarmos alguma coisa para o almoço. Essa professora, percebendo minha inexperiência, nas questões burocráticas de preenchimento do livro de chamada, foi logo explicando como deveria preenchê-lo. Sempre que alguém me pergunta sobre o Colégio Ottilia falo desse episódio e tantos outros. A acolhida que tive, por parte da professora Alcina, é a mesma acolhida que os demais professores praticam quando da chegada de um novo professor. Isso está expresso no documentário quando os Professores e Funcionários, ao falarem da Escola, dizem que o convívio é marcado por um ambiente familiar. Deve ser essa particularidade que vocês vivenciaram quando lá estiveram no lançamento do documentário “OTTILIA: MULTIPLOS OLHARES”.

2) Sabemos que o jovem atual é extremamente habilidoso com as tecnologias ao seu dispor. Como e quando surgiu a idéia de oferecer, aos alunos, uma oficina de audiovisual? Qual a participação do professor Júlio Vann nessa força-tarefa?

R) Bem, conheci o Professor Júlio Vann na UTFPR, no PPGTE (Programa de pós-graduação em Tecnologia) quando cursamos uma mesma disciplina. Conversa vai, conversa vem, falei que coordenava um grupo de estudantes que tinham como propósito levar para a comunidade escolar o debate de temas como: violência, o papel da mídia na sociedade brasileira, os jovens e as drogas e outros. Interessado, ele quis conhecer o Colégio Ottília e os “meninos do Camélia”, assim são chamados. Ora, não ficou na primeira visita. Eu o convidei para participar das reuniões do Grupo Camélia e a partir daí o Julio se tornou um “ottiliano”, como ele mesmo se diz. Sua experiência com cinema e teatro fez com que os meninos do “Camélia” se interessassem em promover uma oficina de teatro e outra de cinema e vídeo. É bom salientar que na escola, outro grupo de alunos, denominado “Gordo e Lapi,” já havia produzido um vídeo, ali mesmo no bairro, e que estavam fazendo o maior sucesso no YouTube.  Ficaram sabendo da oficina de vídeo e logo se inscreveram para participar.
Imagem de Paulo Renato e Júlio Van, autores do projeto de audiovisual na escola OttíliaComo proposta para o desenvolvimento das oficinas, pensamos em preparar, para a semana cultural, duas atividades: uma performance teatral e um vídeo. A semana cultural sempre acontece em fins de novembro, tendo destacada a data de 20 de novembro, em que se comemora a luta empreendida por Zumbi dos Palmares (aniversário de sua morte), pelo fim do regime escravocrata. A peça de teatro teve como tema uma homenagem a Zumbi e o vídeo, um documentário contando um pouco da história do Colégio, de suas particularidades e, também, resgatando um pouco da vida da professora Ottília Homero da Silva, que dá nome à escola, e que teve ativa participação na comunidade da Vila Amélia, onde foi professora por muitos anos.
Como o tema da semana cultural era sobre Zumbi dos Palmares, os participantes das oficinas uniram-se para produzir a peça teatral que foi denominada “Zumbi: caminhos da liberdade”, dirigida pelo Prof. Júlio Vann; e que foi apresentada por diversas vezes: primeiro, na Semana Cultural do “Camélia” e, depois, em várias outras escolas.
A partir do vídeo produzido pelo grupo “Gordo & Lapi”, e do documentário “Ottília: múltiplos olhares”, o professor Júlio Vann desenvolveu sua pesquisa de mestrado, cuja dissertação será defendida no mês de agosto.

3) A escola possui um Grupo denominado Camélia, jovens que se reúnem para pensar e fazer arte, que foi o responsável direto pelo desenvolvimento do projeto do vídeo-documentário. Gostaríamos que nos contassem a história desse grupo, bem como da Associação que leva o mesmo nome.

R) No segundo semestre do ano de 2006 fui convidado a assumir algumas aulas de História, no Ensino Médio, em substituição ao professor João Batista, que iria ocupar o cargo de Diretor. Percebi que alguns estudantes se sobressaíam durante as aulas, e ao término, sempre estavam questionando e buscando saber mais sobre o assunto. Esses estudantes chamaram minha atenção e pensei em canalizar esse potencial criando um grupo de estudo onde pudéssemos responder suas inquietações, apresentando-lhes alguns autores que tratassem da cultura nacional, que abordassem temas como discriminação étnica, cultural e religiosa, aspectos políticos, econômicos e sociais, entre outros.
Imagem dos alunos em atividade manualNos reunimos, em um sábado, no Colégio, para sugerir a esses estudantes a realização de um grupo de estudo-prático-crítico, tendo em vista as exigências conjunturais vigentes. Foram várias reuniões e leituras de textos, tais como: Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire; Cultura e Democracia, de Marilena Chauí; Ética da Libertação na idade da globalização e da exclusão, de Enrique Dussel, que nos ajudaram a viabilizar a compreensão dos paradigmas impostos e a abandonar a condição de seres objetivados a agentes multiplicadores de consciência crítico-ético-prática. Em razão do evidente crescimento do fosso entre pobres e ricos nos sentimos obrigados a apontar, em parceria com o corpo Docente, alternativas de intervir nesse mundo desigual, que beneficia a poucos em detrimento da maioria.
Vencida essa etapa, o grupo passou a realizar suas reuniões com um representante da Direção do Colégio, na pessoa do Prof. João Batista, para viabilizar a criação de um Grupo de Estudos em que os anseios, acima citados, fossem trabalhados junto à comunidade estudantil. Após várias reuniões, o grupo, sentindo-se sólido, percebeu a necessidade de ter uma identificação, um nome. Ao consultar alguns membros da comunidade estudantil, e após algumas leituras (os livros As camélias, do Leblon e A abolição da escravatura, de Eduardo Silva), optamos em denominá-lo de “Grupo Camélia”.
Imagem dos participantes do Grupo Caméla, grupo de teatro da escola OttíliaAs camélias eram o símbolo do movimento abolicionista, na reta final da luta contra o regime escravocrata. Os abolicionistas usavam-nas na lapela, reuniam-nas em ramalhetes ou cultivavam-nas nos jardins, para sugerir a adesão à causa. A flor servia, inclusive, como uma espécie de código por meio do qual os abolicionistas podiam ser identificados, principalmente quando empenhados em ações mais perigosas, ou ilegais, como o apoio a fugas e a obtenção de esconderijo para os fugitivos. A camélia era, também, o símbolo da Confederação Abolicionsta e de seus métodos de ação direta. O quilombo abolicionista, apoiado ou mesmo patrocinado por militantes abolicionistas - quer dizer, gente livre, muitas vezes figuras de destaque na sociedade -, era um centro de acolhimento do escravo fugido mas, ao mesmo tempo, uma trincheira de luta pela abolição.
No dia 20 de novembro de 2006, durante a Semana Cultural, o Grupo Camélia foi apresentado oficialmente à comunidade estudantil. De lá para cá, foram várias as atividades realizadas pelo grupo, entre elas a produção do primeiro documentário do colégio e, até onde temos informações, o primeiro das Escolas Estaduais de Pinhais. Como o grupo tem sua atuação no interior do Colégio Ottilia e muitos dos participantes saíram após terminarem seus estudos, pensamos em criar uma associação em que eles e outras pessoas, de fora do âmbito escolar, pudessem participar. A associação, que se encontra em fase de estruturação, chamar-se-á: ACC- Associação Cultural Camélia.

4) Enfim, chegamos ao documentário “Ottília: múltiplos olhares”. Como se deu a idéia de concebê-lo? A partir do momento que os alunos, integrantes da equipe do filme, apresentaram certa experiência com o manuseio da câmera e do modo como se produz um audiovisual, pela participação na oficina, como o trabalho foi dividido para que se desse a implementação dessa produção?

R) Produzir o documentário não foi uma tarefa muito simples, em virtude da pouca experiência dos participantes e dos parcos recursos financeiros disponíveis, o que foi compensado pela determinação e força de trabalho dos alunos que se empenharam decisivamente na sua realização. A idéia inicial era a de produzir um documentário sobre o bairro Vila Amélia, hoje Jardim Amélia, buscando levar para dentro da escola um pouco da história da comunidade onde o bairro está inserido. Em vista das dificuldades encontradas e do propósito de apresentar o documentário na Semana Cultural, o prof. Júlio Vann propôs que o documentário fosse sobre o Colégio, e a partir do processo das oficinas se chegou ao título, em que os “múltiplos olhares” traduzem a variedade de visões acerca da própria escola, a partir de seus integrantes: professores, alunos, funcionários e membros da comunidade.
Imagem do diretor da escola Ottília, Joao BatistaDe início, foi feita uma pesquisa prévia de todos os assuntos que poderiam ser abordados pelo documentário, e a partir destes assuntos decidiu-se quais atividades mereceriam registro e quais as pessoas que seriam entrevistadas. Foi feito um roteiro, uma produção e, finalmente, o documentário ficou pronto, numa primeira versão que, depois de apresentada na Semana Cultural, foi analisada por um questionário aplicado pelo prof. Júlio Vann, e a partir das “críticas” apresentadas foi composta a versão final, lançada no dia 05 de maio. Todo o processo foi realizado em conjunto, pelos alunos, da criação do roteiro à arte do DVD, contando com o apoio da comunidade (em termos de recursos) para sua realização, o que pode ser conferido no DVD.

5) A produção de um filme, na escola, pode gerar o conhecimento e a aprendizagem de muitos conteúdos específicos. Pensando nisso, qual foi o objetivo dessa produção? Como vocês acham que isso pode contribuir para a formação dos alunos? Quais os recursos mínimos para roteirizar, captar, editar, etc, um filme?

R) O objetivo principal foi ampliar os mecanismos de debate de temas da realidade, proposto pelo “Camélia”, em que figuram tanto o teatro quanto o vídeo. Mas, também, o de demonstrar que se pode realizar este trabalho com recursos bastante reduzidos, desde que se consiga envolver a comunidade, tanto interna quanto externa. O que tem sido uma qualidade particular dos projetos desenvolvidos no Colégio Ottília: a participação da comunidade.
Há inúmeros trabalhos desenvolvidos que utilizam recursos audiovisuais na sala de aula, mas quase sempre se limitam a um recurso substitutivo, tipo, o filme substitui o livro ou o quadro-verde, mas não se propõe um aprofundamento maior quanto à questão da linguagem, por exemplo. Há várias publicações e indicações quanto à qualidade e benefícios do uso de audiovisuais como recurso didático pelo professor, entretanto normalmente ficam limitados à apreciação, chegando, no máximo, à uma leitura crítica da mídia. O trabalho de produção de um vídeo, seja ele de ficção ou um documentário, vai muito além disso. Seria como diferir a leitura da escrita, mas não apenas como uma cópia, mas como uma leitura autoral e crítica da realidade.
Professores no intervalo de aulas na sala dos professores do Colégio OttíliaA televisão está presente na vida de todos nós, desde que nascemos, mas não há grandes preocupações de se compreender que há uma escrita intencionada por trás de tudo que se vê na TV ou no cinema. Ao produzir, o aluno passa a perceber que há pessoas por trás de tudo aquilo que ele vê, e que essa pessoas têm objetivos muito claros com aquilo que fazem, não somente o de vender, consumir.
Ao propor uma criação autoral, pensamos que o aluno pode compreender melhor seu papel de sujeito-social, e também sua condição de sujeição quanto aos mecanismos de imposição de certas idéias e comportamentos, e que, por meio dessa tomada de consciência, ele consiga alterar, pelo menos em parte, a sua maneira de ver e agir diante da realidade, tendo opções de escolha, por exemplo.
Pensamos, ainda, em atender a algumas das proposições presentes no projeto de educação apresentado pela LDB, pelos PCNs e pelos projetos políticos pedagógicos defendidos pela oficialidade, onde se coloca o objetivo de formar sujeitos e cidadãos críticos de suas condições, sendo capazes de transformá-las. Para isso, não basta apreciar a tecnologia, é preciso compreendê-la, apropriando-se de suas técnicas, códigos e linguagens. O audiovisual, representado pelo vídeo, é apenas uma dessas tecnologias.

6) A partir da experiência que tiveram com o cinema, como vocês, professores, vêem o trabalho, em sala de aula, de apreciação e exploração do acervo audiovisual existente como recurso educacional?

R) Como já dito, pensamos que o trabalho não deve estar restrito à apreciação e exploração de acervos, mas deve ir além, levando o aluno a também produzir novos acervos, de acordo com seus anseios e posições assumidas de sujeito criador. Há, ainda, um distanciamento muito grande entre o que é disponibilizado aos alunos e a realidade desses alunos, como se fosse, como analisou o prof. Júlio Vann, a diferença entre a ficção e o documentário. No primeiro estão lá as personagens, imaginadas (mesmo que a partir da realidade) e, no segundo, são pessoas e fatos reais que estão documentados (mesmo que idealisticamente).
Dessa maneira acreditamos que devem ser utilizados todos os recursos disponíveis, explorados na apreciação e leitura crítica das mídias e dos acervos audiovisuais, mas ir além, produzindo com os alunos outros objetos culturais que não apenas aqueles que certos “artistas-criadores” fazem com o objetivo de levar ao aluno um produto melhor acabado, por contar com mais recursos tecnológicos e técnicas mais apuradas. Os alunos têm acesso a celulares, câmeras e máquinas fotográficas, computadores e aparelhos de televisão que podem ser usados criativamente, e eles fazem isso com muita facilidade, desde que os professores os estimulem e também compreendam o sentido daquilo que realizam sem comparar com os resultados ‘hollywoodianos” que estão no mercado.
Previsivelmente, o que se acentuará na próxima década será a contradição entre a forma escolar e o exercício da atividade docente, próprias da modernidade – uniformização lingüística, construção da nação, difusão da cultura e dos valores do grupo dominante, ensinar a muitos como se fosse a um só – e as novas exigências de uma sociedade e de uma escola assentes na diversidade, na heterogeneidade e na inter/multiculturalidade, numa concepção ecológica do mundo, das relações dos humanos entre si e destes com a natureza. Compreendemos que as políticas públicas, no tocante à educação, devam equacionar os professores segundo dois entendimentos complementares: (i) o professor como militante de justiça social; e (ii) o professor como pesquisador em sala de aula.
Os professores do Ensino Fundamental e Médio não podem mais ser entendido como meros tradutores ou difusores de saberes construídos por outros, seja nos campos científicos, das disciplinas que lecionam, ou no campo específico das ciências da educação. A nova exigência do professor pesquisador lhe possibilita conhecer os estudantes (e a comunidade por meio de pesquisa fora do tapume da sala de aula) com que trabalha, de construir estratégias de diferenciação pedagógica, de trabalhar em equipe, de produzir quotidianamente inovação, de mediar o contacto crítico dos seus alunos com a beleza do conhecimento. Exigirá, seguramente, uma ruptura com as concepções de professor-funcionário e / ou de professor-técnico, que estiveram na origem da profissão docente e que continuam a marcar, na contemporaneidade, as políticas públicas.

7) Depois dessa produção, comentada e elogiada por muitas pessoas, quais os próximos projetos da escola/Grupo Camélia?

R) Continuar a desenvolver o que já vem sendo proposto, ampliando cada vez mais o raio de ação. O trabalho em sala de aula, muitas vezes, parece repetitivo, se considerarmos que precisamos fazer, novamente, o mesmo processo de conscientização dos novos alunos que chegam. Mas esse é o detalhe fundamental: são sempre novos alunos que chegam, o que “obriga” o professor a se renovar.
Integrantes do Grupo Camélia trabalhando em projetoO grupo Camélia já está produzindo um novo vídeo, agora sobre o projeto Escola Aberta, bem como outros trabalhos de pesquisa utilizando, por exemplo, o celular para filmar situações reais da comunidade e levá-las para serem discutidas em sala de aula.
Há também o projeto FERA, do qual vamos participar mais ativamente e, ainda, levar a outros colégios nossa experiência para que possa despertar novos interesses.
Quanto ao Colégio Ottília, já estamos organizando a Semana Cultural para novembro, e os debates e reuniões continuam. Nos reunimos toda semana, e já estamos trabalhando no projeto de uma televisão experimental: TV Conexão Camélia, com entrevistas, pequenas dramatizações e jornalismo. Será disponibilizada na Internet, por meio do blog da “ACC – Associação Cultural Camélia” (http://www.acc-associacaoculturalcamelia.blogspot.com) e pretende continuar envolvendo toda a comunidade.
 
Por: Márcia Regina Galvan Campos e Juratan Sebaje da Cruz em Jul/2008.
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