Disciplina - Cinema

Ulisses Galetto

Foto do professor Ulisses GalettoUlisses Galetto é músico, escritor, cineasta, desenhista de som e professor.

1) Pela leitura de seu currículo, percebemos que trabalha com várias linguagens: música, cinema, TV, literatura. Articulando tantas modalidades de comunicação, como vê a integração de mídias/linguagens para o uso pedagógico?

R: Acho muito importante a diversificação do material pedagógico utilizado em sala de aula. Com a velocidade dos dias de hoje, temos que ter um misto de conhecimentos gerais, criatividade no manuseio de diferentes linguagens e, é claro, uma medida certa de reflexão. Nesse sentido, as diversas manifestações artísticas podem ajudar muito para o desenvolvimento de uma pedagogia criativa e humanizadora.


2) Você está estreando na Literatura com o livro “A Modernidade em Construção”. Conte-nos um pouco sobre essa obra e o que o levou a realizá-la.

Foto do cineasta Ulisses GalettoR: Na verdade esse livro é fruto de minha dissertação de mestrado, onde estudei as políticas públicas para a música, no período de 1971 a 1983. Alem disso, também discorro sobre a construção de vários equipamentos urbanos públicos para as artes na implantação do plano diretor de Curitiba. Enfim, o que me levou a realizar o livro foram meus interesses acadêmicos e historiográficos. Uma paixão em minha vida. Mais uma.


3) Nos últimos anos, você tem se dedicado ao Desenho de Som, sendo responsável pelo som de filmes como “Sal da Terra” e “Curitiba Zero Grau”, ambos do diretor Elói Pires. Como surgiu seu interesse pelo cinema?

R: Sempre gostei muito de cinema, mas minha relação profissional começou em 2005, quando transferi meu estúdio caseiro para uma sala no estúdio de pós-produção de som para cinema, o 1927 áudio. Comecei devagar, fazendo documentários e, em alguns anos, já estava dedicando quase todo o tempo a essa atividade. Costumo dizer que foi um presente do destino, que recebi com muita alegria. Devo muito a esse estúdio, o 1927 áudio, que é a principal referência de pós-produção de som no Brasil.


4) Explique, de maneira objetiva, ao nosso público, o que é o trabalho com Desenho de Som. Que mercado contempla, para os professores e alunos que se interessarem pela área?

R: Nosso trabalho consiste em criar absolutamente todos os sons de um filme. Passos, roupas, ambientes, carros, aviões, vento, enfim, tudo o que se ouve num filme é feito pelo desenho de som. Do set de filmagem aproveitamos apenas os diálogos. Mesmo assim, muitas vezes dublamos boa parte das vozes. O mercado de filmes no Brasil está em franca expansão e acho que devemos ter muito progresso pelos próximos anos. O começo é o de sempre: estudar, estudar, estudar, assistir a filmes, conhecer técnicas de áudio (gravação e edição) e, depois, estudar, estudar e estudar. Só então vem o começo, sempre com muito estudo, estudo, estudo e, é claro, prática, prática, prática.


5) Foi criado, em 2003, um Portal Educacional denominado Dia-a-Dia Educação (www.diaadiaeducacao.pr.gov.br). Nesse Portal, o professor da rede estadual tem acesso a muitas informações e conteúdos disciplinares para uso em sala de aula, inclusive uma página de Filmes, que disponibiliza sinopses, resenhas, artigos, sites, trailers e trechos de filmes por disciplina (www.filmes.seed.pr.gov.br), auxiliando no trabalho pedagógico dos educadores a partir de sugestões temáticas. Como você vê a criação de um instrumento educacional como esse?

R: Acho que o Estado, em seus diferentes níveis, tem obrigação de auxiliar professores e alunos em seus afazeres. A disponibilização de um mecanismo como esse é uma ação que merece ser reconhecida e elogiada. Entretanto, é necessário que se promova um aperfeiçoamento contínuo de todos os professores no que diz respeito à utilização de ferramentas como essa. Sem isso, podemos ter conteúdos importantes pouco apreendidos e utilizados no dia a dia da educação.


6) Como professor (disciplina de Som, do Curso de Cinema, na Faculdade de Artes do Paraná), como você vê a utilização do cinema, e do audiovisual como um todo, como ferramentas pedagógicas nas escolas de Ensinos Fundamental e Médio?

R: Não tenho experiência nesse segmento de ensino, mas, como disse anteriormente, a dinâmica do nosso tempo não nos permite que passemos ao largo de mecanismos dos mais diversos, nas atividades de ensino. Portanto, acho fundamental a utilização, não apenas do cinema, mas de todas as manifestações artísticas, como ferramentas pedagógicas.


7) O que se tem percebido, nos últimos tempos, é que a educação está carente de humanização, socialização, reflexão. Você concorda com isso?

R: Concordo. A urgência da contemporaneidade acaba por negligenciar elementos que, pra mim, são essenciais na formação de qualquer indivíduo. Muita pressa, pouco tempo para se pensar. Essa é a regra, quase absoluta. Infelizmente.

8) A partir dessa constatação, em sua opinião, o cinema, a música e a literatura podem auxiliar a modificar essa situação? Como?

R: Tenho dúvidas sobre isso. Sempre fui músico. Sou filho de músico e minha família é formada por músicos. Então, não sou suspeito em dizer que talvez as artes tenham um sentido muito mais ilustrador do que funcional de nossa realidade. Não é isso o que eu espero do mundo, mas parece que é assim que ele se apresenta. Aqui, também, infelizmente.

9) Como dissertação de Mestrado você pesquisou sobre as políticas públicas e a produção de música popular, em Curitiba, entre 1971 e 1983. Dando continuidade a essa pesquisa, sua tese de Doutorado, que está sendo escrita, analisa o impacto das leis de incentivo no país. O que tem a dizer a respeito dos constantes escândalos envolvendo verbas governamentais para a arte no Brasil? Acha que a Ancine, no caso do audiovisual, agência reguladora, criada para “fomentar a produção, a distribuição e a exibição de obras cinematográficas e videofonográficas em seus diversos segmentos de mercado” (Fonte: http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=54) está com dificuldades de cumprir o papel para o qual foi criada? Por quê?

R: Em primeiro lugar, não vejo “constantes escândalos” envolvendo as leis de incentivo. Vejo ações questionáveis, muitas delas amparadas pela lei. Penso que o governo federal vem se dedicando à superação de problemas estruturais que envolvem, sobretudo, a Lei Rouanet, mas também outros mecanismos de incentivo, como a Lei do Audiovisual. A sociedade como um todo também tem o dever de agir e cobrar o que lhe é de direito e acho que, apesar de muitas críticas ácidas, em especial ao Governo Federal, vários mecanismos de participação da sociedade vêm sendo construídos por iniciativa da administração pública.
Em relação ao papel da ANCINE, há muito tempo o objetivo do Governo é de transformá-la em ANCINAV, cuja abrangência chegaria até os conteúdos televisivos. Devemos lembrar que isso não ocorreu até agora por pressão dos próprios donos dos meios de comunicação. Mas temo que esse seja um tema por demais espinhoso e complexo pra ser tratado com o devido cuidado em tão poucas linhas.
Reconheço muitos problemas nas leis de incentivo, mas acho que estamos dando passos significativos em direção a um ambiente mais justo e promissor para as artes como um todo, muito graças às Leis de Incentivo.

10) Quais são seus próximos projetos?

R: Estou terminando um documentário chamado “Traço Concreto”, dos diretores Eduardo Baggio e Danilo Pschera. Depois disso, vou trabalhar em dois filmes de ficção, um de Luciano Coelho e outro de Marcelo Munhoz. Logo apos, um seriado para TV do diretor Eloi Pires Ferreira e depois, espero fazer mais filmes bacanas como esses. Além disso, estou escrevendo minha tese de doutoramento, tenho as atividades com o Grupo FATO, que me dão muito prazer, a manutenção de um programa em duas rádios FMs e, eventualmente, aulas para cursos de graduação e pós-graduação. De resto, se é que sobra tempo pra alguma coisa, procuro descansar assistindo a filmes. Pasmem!

Entrevista realizada por Márcia Regina Galvan Campos em junho/2011.
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