Disciplina - Cinema

Filmes & Educação

21/06/2018

Nelson Pereira dos Santos

O humanismo abrasante de Nelson Pereira dos Santos

El País

filme

Cena do filme 'Vidas Secas', de Nelson Pereira dos Santos

Nelson Pereira dos Santos precursor do Cinema Novo e figura-chave do cinema latino-americano, morreu no sábado aos 89 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, vítima de um câncer de fígado. Com sua morte, o cinema brasileiro perde sua grande referência, a figura paternal das gerações seguintes que revolucionaram o cinema brasileiro. Outro cineasta brasileiro, Cacá Diegues, comentava: "Sempre tive medo do Nelson, um certo medo filial de quem teme o julgamento que importa, porque nunca conheci pessoa mais sábia, capaz de ensinar de uma forma que você não percebe que está aprendendo. Nelson foi quem mostrou a todos nós que era possível fazer um cinema diferente no Brasil".

Pereira dos Santos foi indicado quatro vezes para o Festival de Cannes, e outras quatro para o Berlinale. Além de ter recebido prêmios e homenagens, sua figura se agiganta no tempo por sua influência como criador e referência moral para um continente. O escritor Jorge Amado o admirava por sua férrea consciência política "à medida que se tornava mais amplo, mais aberto. Era um paulista que se tornou carioca e, depois, perdeu toda a estreiteza regional". Uma prova de sua importância é que sua morte foi anunciada pela Academia Brasileira de Letras: foi o primeiro cineasta da história do país a se tornar membro da instituição, em 2006.

Nascido em São Paulo, em outubro de 1928, sentia-se muito orgulhoso de suas origens humildes. Depois de estudar direito em sua cidade natal e entrar para a política, continuou sua formação por um ano como cineasta em Paris, onde estava exilado o escritor Jorge Amado, seu protetor, em meio à perseguição de membros do Partido Comunista brasileiro.

De volta ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, para terminar a faculdade, prestar serviço militar e se tornar pai, começou a fazer cinema e a trabalhar em jornalismo. Assim começou a filmar uma nova "geografia urbana". Primeiro, com Juventude (1950), um documentário de 45 minutos filmado nas ruas e favelas, algo nunca visto antes nas telas de cinema. Depois, mergulhando na direção, abre uma nova etapa no cinema brasileiro, que ecoa com Rio, 40 Graus (1955). Há uma década, recordava: "Cheguei ao Rio de Janeiro aos 24 anos, em 1952, e me choquei com as favelas verticais por conta da geografia da cidade de São Paulo, onde as favelas são horizontais e distantes da classe média: não são vistas. Então, olhei e pensei. Aqui está meu texto neorrealista, e inventei a história e fiz o filme que já marcava o aspecto da violência urbana que piora cada vez mais no país. A situação só vai melhorar quando fizermos reformas agrárias e urbanas".

Dessa forma, contribui, juntamente com Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Paulo César Saraceni para o desenvolvimento do Cinema Novo, corrente que quer mostrar a realidade do Brasil, especialmente do mundo rural e das favelas. Suas principais influências foram o neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague, e por isso dizia: "O Brasil é um país cada vez mais escravista, onde os poucos que vivem muito bem não têm o menor compromisso social e humanista: querem e lutam sempre por situações de privilégio econômico e poder".

Glauber Rocha disse em Uma Estética da Fome: "De Aruanda a Vidas Secas, o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome". O próprio Pereira dos Santos explicava: "Com o Cinema Novo, o cinema brasileiro iniciou seu momento de descolonização. Os cineastas que surgiram conseguiram demonstrar que podiam dominar a linguagem universal do cinema e, ao mesmo tempo, ter uma grande fidelidade às suas origens culturais. É o mesmo processo sofrido em décadas anteriores com a literatura, com a pintura, com a música... Tivemos que travar verdadeiras batalhas para que o cinema encontrasse seu lugar na sociedade".

Entre os filmes de Pereira dos Santos, além de Rio, 40 Graus (1955), destacam-se Vidas Secas (1963), El Justicero (1967), Cinema de Lágrimas (1995) e Brasília 18% (2006), sua última produção, centrada na corrupção da política no Brasil. Também em 2006, tornou-se o primeiro cineasta a entrar para a Academia Brasileira de Letras, devido às suas adaptações literárias de autores como Graciliano Ramos (Vidas Secas é o exemplo, e com o filme ganhou o OCIC de Cannes ao mostrar a pobreza extrema do Nordeste brasileiro com compromisso e compaixão). Com Memórias do Cárcere venceu em 1984 o prêmio FIPRESCI, o da crítica internacional, no festival francês.



Esta notícia foi publicada no site El País em 21 de junho de 2018. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade da autor.


Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.